Lider 87 FM

As estratégias e os apoios de Haddad, o candidato a presidente que obteve 29% dos votos válidos

As estratégias e os apoios de Haddad, o candidato a presidente que obteve 29% dos votos válidos

Ao se encontrar na segunda-feira 8 com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa cela da sede da Polícia Federal, em Curitiba, Fernando Haddad, candidato do PT à Presidência da República, ouviu o seguinte conselho de seu padrinho e mentor político: “Agora você precisa brilhar. Brilhar não, tem de irradiar luz por onde passar”, disse Lula, gesticulando com as mãos e sentado numa mesa de quatro lugares. “Você é melhor que ele em todos os quesitos.” O encontro com Lula foi a primeira agenda de Haddad após garantir um lugar no segundo turno da eleição presidencial com 29% dos votos, em comparação aos 46% do candidato do PSL, Jair Bolsonaro. Além de Haddad, estavam na cela o coordenador de sua campanha, Emidio de Souza, e o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh. Todos ainda estavam com ressaca da noite anterior, quando viram de perto a possibilidade de o capitão da reserva do Exército vencer as eleições no primeiro turno. Na reunião, Lula liberou o ex-prefeito de visitá-lo em Curitiba nas próximas semanas.

A recomendação se tornou pública nas palavras da presidente do partido, a senadora Gleisi Hoffmann (PR), agora reeleita como deputada federal. As mudanças foram instantâneas. Ao sair da carceragem da PF, Haddad evitou falar com a imprensa no local, como costumava fazer nas semanas anteriores em que encontrou o ex-presidente. Dirigiu-se para um hotel e lá deu uma entrevista coletiva.

Aquele foi o primeiro movimento da estratégia traçada pelo PT para enfrentar Bolsonaro no segundo turno: mostrar que Haddad não é um mero poste de Lula e que ele pode ser Haddad, um candidato com uma personalidade própria. Se no primeiro turno a simbiose entre os dois foi essencial para que houvesse uma transferência de votos de Lula para o ex-prefeito, hoje a ordem é amenizar a ligação entre os dois. “O Haddad chegou ao segundo turno como o substituto do Lula. O Haddad do segundo turno será o Haddad”, disse o ex-governador da Bahia e senador recém-eleito Jaques Wagner, que se uniu à cúpula que coordena a campanha.

Para se descolar da imagem de poste e mostrar que tem autonomia, Haddad vai explorar suas principais ações como ministro da Educação, entre 2005 e 2012, e prefeito de São Paulo, entre 2013 e 2016. Enfatizará que, como prefeito, organizou as contas públicas do município de São Paulo em um dos períodos de maior recessão econômica do país. Baterá também na tecla de que renegociou a dívida com a União e trouxe grandes investimentos para a cidade, mesmo tendo sido abandonado pelo governo da correligionária, a então presidente Dilma Rousseff.

Para fazer contraponto à inexperiência administrativa de Bolsonaro, que nunca ocupou cargos executivos na administração pública, Haddad vai procurar ecoar suas realizações no Ministério da Educação: o aumento em cinco vezes do orçamento da pasta durante sua gestão; a implantação de mais de 50 ações, que vão da primeira infância à pós-graduação universitária; a criação de institutos federais de Educação, Ciência e Tecnologia; a instituição do Fundo para Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Professores, o Fundeb; e a implementação de um piso nacional do magistério.

Jaques Wagner era o nome favorito de Lula para disputar a Presidência em seu lugar, mas Wagner nunca se mostrou disposto a encarar a missão. Acusado por delatores da Odebrecht e alvo da Lava Jato sob a suspeita de ter recebido R$ 82 milhões em desvios da construção do estádio Arena Fonte Nova, em Salvador, o ex-governador foi alvo de buscas da Polícia Federal. A PF chegou a pedir a prisão de Wagner, mas o juiz responsável pelo caso negou. Com a certeza de que a artilharia sobre ele se intensificaria se disputasse a Presidência, Wagner preferiu mirar o Senado. Assim, a candidatura caiu no colo de Haddad.

Depois de eleito para o Senado, Wagner passou a participar das principais reuniões da campanha para debater estratégias. O ex-governador passou a defender a necessidade de Haddad ser mais incisivo sobre temas de segurança pública que ajudaram a catapultar a candidatura de Bolsonaro, inclusive no Nordeste, onde o capitão da reserva venceu em cinco das nove capitais da região. A ideia é que o ex-prefeito se manifeste a favor de leis penais mais duras, ao menos em casos de homicídio. Haddad já deixou claro, porém, que não pretende abraçar a defesa da redução da maioridade penal.

Wagner também está ajudando a construir a narrativa do segundo turno que colocará Haddad, na disputa contra Bolsonaro, como o defensor da democracia e dos direitos civis e sociais. “É a disputa da civilização contra a barbárie”, disse o ex-coordenador do setor jurídico do PT, o advogado Marco Aurélio Carvalho, que articula com o também advogado Pedro Serrano um movimento na sociedade civil em busca de apoio a Haddad. “Estamos em busca de apoio de gente de todos os partidos, como PSDB e PDT”, disse. Entre os nomes procurados pelo grupo estão o ex-ministro da Justiça José Gregori, que participou da campanha de Geraldo Alckmin, e o ex-governador de São Paulo Claudio Lembo (PSD).

O próprio Haddad passou a se empenhar pessoalmente em trazer para seu lado os adversários do primeiro turno. O mais desejado é Ciro Gomes (PDT), que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com mais de 13 milhões de votos. Assim que a apuração terminou, Haddad ligou para Ciro para cumprimentá-lo e dizer que contava com seu apoio. Haddad ofereceu a Ciro um cargo na coordenação de sua campanha. A investida também incluiu uma conversa com o guru intelectual de Ciro, Mangabeira Unger, professor da Universidade Harvard.

Como tem boa relação com Ciro, Haddad não alimentava grandes dúvidas de que o apoio viria. Mesmo assim, para atrair o pedetista, fez concessões: desistiu da proposta de convocação de uma Constituinte, uma das condições impostas pelo PDT para dialogar sobre seu embarque na campanha. Haddad também se comprometeu a adotar os principais pontos do programa de governo de Ciro, como a proposta de tirar os nomes dos brasileiros endividados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), que já havia sido copiada pelo PT, e a de criar uma força federal para combater principalmente o crime organizado. Os acenos, porém, não encantaram Ciro e seus apoiadores, ainda ressentidos com as articulações de Lula na cadeia para impedir o apoio do PSB ao PDT no primeiro turno. Na quarta-feira 10, o PDT anunciou “apoio crítico” a Haddad.

A narrativa criada para buscar a virada no segundo turno — segundo pesquisa Datafolha divulgada na quarta-feira 10, o candidato do PSL tem 58% dos votos válidos e o petista 42% — inclui a redução do uso do vermelho no material de propaganda. “A bandeira do Brasil é de todos nós. A gente não pode entregar graciosamente para eles o que é um símbolo do Brasil”, disse Jaques Wagner.

Ao mesmo tempo que incorpora as cores da bandeira em sua propaganda, a campanha de Haddad intensificará as críticas a Bolsonaro em duas frentes.

A primeira delas vai associar o candidato do PSL a riscos à democracia. A ideia é intensificar as comparações entre Bolsonaro e ditadores como Adolf Hitler. Segundo um coordenador, o recado é que “sabemos como começam as experiências no mundo com gente como ele, mas não sabemos como terminam”. Em discursos e entrevistas, Haddad fará mea-culpa sobre os erros do PT em relação à corrupção. Afirmará que uma série interminável de equívocos e trapalhadas do PT nos últimos 13 anos pode ser arrolada, mas o partido não pode ser acusado de antidemocrático. “Pode-se acusar o PT de muitas coisas, mas seguramente não se pode acusá-lo de não ter defendido a democracia e os valores democráticos”, afirmou Haddad a ÉPOCA.

A outra frente será tentar desconstruir a imagem de Bolsonaro como o representante da nova política e vinculá-lo aos cortes sociais e projetos econômicos do governo Michel Temer, o mais impopular da história. O PT vai explorar os números que mostram que o PSL deu mais votos para a aprovação de medidas do governo Temer no Congresso — superando até mesmo o MDB.

Para o candidato do PT, um dos maiores desafios do segundo turno será conquistar os evangélicos que migraram em massa para o capitão da reserva do Exército. Na avaliação do comando de campanha do PT, um dos ataques mais certeiros de Bolsonaro a Haddad foi vinculá-lo ao chamado “kit gay”, material escolar sobre homossexualidade produzido pelo Ministério da Educação quando Haddad foi ministro. Os vídeos e guias para professores tinham o objetivo de discutir homossexualidade e bissexualidade entre os jovens, mas eles não chegaram a ser distribuídos às escolas.

“Vamos destacar que os valores cristãos estão associados a democracia e a tolerância”, disse um coordenador da campanha. Peças para a televisão e para as redes sociais mostrarão a trajetória familiar do petista, casado há 30 anos com a mesma mulher, a professora da Universidade de São Paulo Ana Estela Haddad, com quem tem dois filhos, Frederico, advogado, e Ana Carolina, estudante de engenharia. Em seu discurso, o candidato também passará a reforçar outras referências familiares, como o avô paterno, Cury Habib Haddad, que foi um líder religioso no Líbano. Também vai se aproximar de lideranças católicas com a ajuda do ex-ministro Gilberto Carvalho. (Fonte: Época / Foto: Ana Carolina Negri-Agência O Globo)