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Baianos sem emprego deixam São Paulo em ônibus clandestinos e põem cidades em risco

Agentes da Prefeitura de Ribeira do Amparo fazem visitas aos visitantes monitorados (Divulgação)

Um homem de 31 anos retornou de São Paulo e entrou em Ribeira do Pombal, nordeste da Bahia, sem passar pelas três barreiras sanitárias que existem nas entradas da cidade. Ele estava infectado pelo coronavírus. Pouco tempo depois, sua esposa começou a manifestar o sintoma da doença. Ao poder público, ela disse que o homem infectado com quem teve contato não estava mais no município. Era mentira. Só após uma investigação da prefeitura, com apoio da Policia Militar e Guarda Municipal, é que o rapaz foi encontrado, sem cumprir o isolamento social e causando pânico no povoado em que vive. 

“Acionamos a Justiça para que ele seja responsabilizado criminalmente e vamos ter que realizar testes rápidos em todos os contactantes”, explicou a secretária de saúde de Ribeira do Pombal, Lakcelma Costa.  

A cidade de 50 mil habitantes tinha registrado 11 casos da doença, segundo a prefeitura. Pelo menos dois destes são de pessoas que retornaram de São Paulo. Esse número, no entanto, pode ser maior, já que a prefeitura parou de divulgar detalhes a partir do décimo caso, após a reportagem entrar em contato com a Secretaria de Saúde. 

O CORREIO identificou pelo menos cinco cidades da Bahia cujo primeiro infectado veio de São Paulo: Ribeira do Amparo, Banzaê, Itapicuru e Anagé, além de Ribeira do Pombal. Essa lista pode ser maior, pois algumas cidades optaram por não divulgar detalhes dos casos confirmados.

Em Anagé, cidade de 25 mil habitantes, que faz divisa com Vitória da Conquista, o caso evoluiu para óbito, que ocorreu na última quinta-feira (14). Trata-se de uma mulher de 72 anos, que tinha chegado de São Paulo no dia 27 de abril, conforme divulgado nas redes sociais da prefeitura.

Uma funcionária da Secretaria de Saúde, que não quis se identificar, disse que a cidade possui barreiras sanitárias nas duas entradas principais do município. No entanto, tais estruturas não impedem a entrada dos visitantes e só servem para fazer um controle de quem chega na cidade.

“Há ainda as entradas da zona rural e a maioria das pessoas vem por fora da barreira”, disse.

O óbito ocorreu na própria residência da vítima. O CORREIO tentou contato com Paulo Marinho, secretário de Saúde do município, que não atendeu as ligações nem respondeu as mensagens. Anagé tinha 227 casos monitorados ou notificados, mas sem novos registros da doença.

Já a cidade de Itapicuru registrou, de uma só vez, oito casos de coronavírus. O primeiro foi de uma mulher de 66 anos que usou um transporte clandestino para chegar à cidade. “Nossa equipe de saúde foi até sua residência, fez o teste e encaminhamos a paciente para Salvador, no Hospital do Subúrbio”, disse o prefeito Magno Souza, em vídeo publicado numa rede social da prefeitura.

O segundo caso também foi importado, mas não teve o nome da cidade de origem divulgado. Trata-se de um paciente que contaminou outras seis pessoas da mesma casa, localizada em um povoado da cidade. Todos os resultados se tornaram públicos no mesmo dia, na última segunda-feira (11). “Não queremos proibir a entrada de pessoas na cidade, mas sim trabalhar de forma conjunta orientando e monitorando as pessoas”, disse o prefeito.

Em comunicado divulgado também em rede social, a Prefeitura informou que foi decretado lockdown nos povoados de Várzea dos Potes e Retiro. “Iniciamos uma série de ações: bloqueios de acesso, desinfecção de ruas e praças, montagem de barreiras sanitárias e cumprimento rigoroso de todos os protocolos”, dizia o texto.

O CORREIO entrou em contato diversas vezes, sem sucesso, com a secretária de saúde do município, Wilmara Lima, para prestar esclarecimentos sobre o assunto. Até o fechamento da reportagem, com cerca de 35 mil habitantes, Itapicuru tem quase mil casos sendo monitorados ou investigados, segundo o boletim epidemiológico do município.

‘Vou me embora pro sertão’
Desempregados, vivendo de aluguel e sem uma perspectiva econômica favorável, a solução encontrada por muitos baianos que migraram para São Paulo é ‘ir embora pro sertão’. No entanto, aquilo que poderia ser motivo de festa ao ‘matar’ a saudade da família e da terra natal tem contornos dramáticos na pandemia do novo coronavírus.

“Onde só sai dinheiro e não entra nada, é complicado. A saída foi voltar pra Bahia. Não queria que fosse dessa forma, mas não tive jeito. O pior é ficar dois anos sem ver a minha mãe e não poder dar um abraço”, desabafou Leonardo Rodrigues, 23.

Em 2017, o rapaz saiu da pacata Ribeira do Amparo para tentar a sorte na maior cidade da América Latina. Na capital paulista, viveu como autônomo, atuando na área de vestuário no famoso distrito do Brás. “Por conta da pandemia, o comércio fechou. Perdi o investimento que tinha feito. Lá eu não tinha moradia própria. Vivia sozinho, pagando aluguel e as despesas eram altas”, lembra. Em abril, ele voltou para a terra natal.

A história de Leonardo se confunde com a de vários nordestinos. “Dessa vez, eu decidi alugar um carro para fazer a viagem sozinho, por questão de segurança. Mas já precisei usar o transporte clandestino, que é mais barato e menos burocrático”, disse. Na semana passada, uma fiscalização coordenada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) apreendeu cinco veículos do tipo. Três deles levavam 74 passageiros de São Paulo para as cidades de Capim Grosso, na Bahia, e Caruaru, em Pernambuco.

Os outros dois ônibus apreendidos tinham São Paulo como destino e, juntos, possuíam apenas 20 passageiros. “Temos observado um fluxo maior do Sudeste e Sul para o Nordeste. Pessoas desempregadas ou em quarentena estão retornando para a terra natal, ainda que temporariamente”, disse Carlos Solrraique, especialista em regulação da ANTT.  

Após serem pegos pela fiscalização, os motoristas são liberados e os veículos são conduzidos para o pátio da ANTT, vindo a ser liberado depois de 72h, após pagamento de taxas. A empresa clandestina deve contactar uma empresa regular para fazer o transporte dos passageiros até o seu destino final.  

Ou seja, independente da fiscalização, as pessoas conseguem sair de São Paulo e chegar na cidade natal, em plena pandemia. O CORREIO tentou contato com a prefeitura de Capim Grosso, que possui 12 casos de coronavírus e 30 mil habitantes, mas não obteve retorno. A cidade é uma das que não têm divulgado se os casos identificados são importados ou não.  

Monitoramento
“A gente não faz uma espécie de divisão, mas pelo conhecimento que temos, sem sombra de dúvidas, é de São Paulo que está vindo a maioria das pessoas para Ribeira do Amparo”, disse Dielson Tarcísio, coordenador da vigilância epidemiológica do município de pouco mais de 14 mil habitantes.  

Até o fechamento da reportagem, a Secretaria de Saúde tinha o conhecimento de que Ribeira do Amparo recebeu 423 pessoas de fora. “Mas esse número pode ser maior, infelizmente. Criamos um disk saúde, para a população informar caso saiba de alguém que tenha chegado na cidade”, disse Tarcísio.  

O açougueiro Roberto Barbosa, 29, não precisou ser delatado por algum vizinho. “Assim que cheguei de São Paulo mandei mensagem para a secretaria. Eles me procuraram um dia depois e me informaram que tinha que ficar isolado por 15 dias. Cumpri e depois fui liberado”, disse.   

Como as fronteiras aéreas não estão fechadas, Roberto utilizou o avião para chegar até Salvador. De lá, ele foi de carro até a cidade natal. “Eu até pensei em vir de clandestino. Na primeira vez que fui para São Paulo, eu usei. É uma viagem mais cansativa e perigosa. Não sabemos como é a manutenção do ônibus, que sempre quebra na estrada”, disse.  

Na fiscalização feita pela ANTT, foram constatadas irregularidades nos veículos apreendidos, como ausência de itens obrigatórios de segurança, pneus carecas e para-brisas trincados. Roberto explicou que o veículo clandestino pega e deixa a pessoa na porta de casa. No levantamento que ele fez, o valor de São Paulo até Ribeira do Amparo custava R$ 300.   

Em uma busca nos sites das empresas aéreas, é possível encontrar passagens de São Paulo para Salvador por um valor até menor do que esse, mas só para o mês de junho. Para quem quer sair da capital paulista imediatamente, poderá desembolsar cerca de R$ 900 e terá poucas opções de horário disponíveis, devido à redução das viagens. 

A assessoria do governo do estado informou que já solicitou, logo no início da pandemia, que o Governo Federal tomasse providência acerca do transporte aéreo, mas não houve retorno neste sentido. “Sobre as estradas, o governo tem proibido o fluxo de ônibus, vans e transportes hidroviários em cidades com casos confirmados da Covid. Caso fique mais de 14 dias sem registrar novos casos, esse fluxo é liberado na cidade”, segue a nota.  

O governo afirmou ainda que a medição de temperatura que era feita do lado de fora do Aeroporto de Salvador foi suspensa há 18 dias. “Com a redução substancial de voos e a expansão da doença no Brasil, passou-se a investir na testagem e descentralização ao invés desse tipo de monitoramento”, completaram. 

Já a Vinci Airports, que administra o Aeroporto de Salvador, disse que a atividade de controle sanitário é de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que não informou se tem feito ações do tipo na Bahia.  (Correio24h)