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Para se recompor, Moro terá de afundar Bolsonaro

O embate entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro mudará de patamar. O vale-tudo inaugurado nas redes sociais no final de semana será transferido para as páginas de um inquérito formal, a ser aberto nesta segunda-feira pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. Moro será chamado a depor. Para se recompor em cena, o ex-ministro da Justiça terá de afundar Bolsonaro, exibindo provas de que o presidente agiu para submeter a Polícia Federal aos seus interesses particulares. Auxiliares de Bolsonaro receiam que Moro, um metódico ex-juiz, tenha colecionado evidências. Levado à alça de mira por Bolsonaro e pela máquina bolsonarista de moer reputações nas redes sociais, Moro parafraseou o presidente neste domingo. Adaptando o bordão “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, escreveu no Twitter: “Verdade acima de tudo, fazer a coisa certa acima de todos”. Moro considera-se alvo de “uma campanha de fake news”. Declara-se despreocupado. “Já passei por isso antes e depois da Lava Jato”, anotou. Engano. As coisas agora são bem diferentes.

Tenho visto uma campanha de fake News nas redes sociais e em grupos de whatsapp para me desqualificar. Não me preocupo; já passei por isso durante e depois da Lava Jato. Verdade acima de tudo. Fazer a coisa certa acima de todos

— Sergio Moro (@SF_Moro) April 26, 2020

Como juiz, aferrado à máxima segundo a qual não se faz omelete sem quebrar os ovos, Moro tomou gosto pelo crec-crec. Como ministro, demorou a se dar conta de que estava ao lado de um presidente que não queria senão abafar o barulhinho das cascas se quebrando. Se tivesse evocado o versículo multiuso que Bolsonaro extraiu do Evangelho de João —”Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará—, Moro talvez concluísse que enxergou o logro em que havia se metido com atraso de um ano e quatro meses. Moro administrou seu desembarque como se desejasse compensar sua lerdeza. Na forma, converteu o ato administrativo do pedido de demissão num espetáculo político. No conteúdo, exonerou-se num timbre de navio que abandona os ratos. Saiu atirando, como se diz.

O problema é que Moro falou muito depois de ter calado demais. Antes mesmo de assumir o ministério, ainda na fase de transição de governo, em dezembro de 2018, as manchetes já forneciam material para manifestações de Moro. Foi nessa época que o caso da rachadinha ganhou o noticiário. Até onde a vista alcançava, não havia no esquema de apropriação ilegal dos contracheques de servidores do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro nenhum bom exemplo. Mas o episódio era um ótimo aviso. (Uol)