Se administrado sem indicação e em altas doses, o uso do antiparasitário pode intoxicar o paciente e causar danos cerebrais e hepatite tóxica, adverte Bitencourt e também o infectologista Igor Brandão.
O farmacêutico explica que todo medicamento tem dose mínima, máxima e a tóxica. “Aquela dose que causa um dano que torna o remédio inviável”, enfatizou.
A ivermectina está ao lado da cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina entre os remédios sugeridos pelo Ministério da Saúde, mas que não têm eficácia contra a infecção pelo coronavírus. Em um comunicado oficial publicado na quinta-feira (4), a farmacêutica Merck, também conhecida como MSD – responsável pela fabricação do medicamento -, disse que não há evidências de que a substância seja eficaz como medicação contra a Covid-19.
Em julho de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), após prefeituras anunciarem a distribuição do remédio como alternativa para o “tratamento precoce” da Covid-19, fez o alerta de que o uso do composto não é recomendado para isso.
DOSE LETAL
Todo medicamento, quando está sendo desenvolvido, é submetido a testes laboratoriais, clínicos e análises de diversos especialistas para que seja garantida a eficácia. É também a partir desse processo que são determinadas as doses mínima, máxima e letal, e ainda as contraindicações.
Um desses testes, explica o farmacêutico Mauro Bitencourt, é o chamado ABL 50, que é quando um medicamento mata metade da população estudada.
“Imagina que eu estou testando a ivermectina e quero identificar qual é a dose letal. Eu pego uma população de 100 ratos e vou aumentando a dose do remédio em cada um até chegar àquela dose que começa a matar os ratinhos”, explica. “Então a dose que matou por exemplo dois ratinhos é ABL 2, e vou aumentando essa dose até chegar uma que mata metade da população estudada, que é a ABL 50 daquele medicamento, todo remédios passa por esse teste”, exemplificou o professor
Segundo ele, no caso da ivermectina a dose letal é em torno de 50 miligramas por quilo.
O profissional destaca que o problema não está no remédio, mas no uso indevido dele. “Na dose usual e para o fim de eliminar parasitas é segura”, disse.
TESTES CLÍNICOS X VIABILIDADE REAL
Bitencourt explica que um estudo australiano identificou, em testes in vitro feitos em laboratórios, que em doses muito altas a ivermectina mataria o coronavírus. Só que a pesquisa também concluiu que o uso em humanos não é viável para esse fim. “Mesmo que tivesse alguma ação para Covid-19 seria uma dose tão elevada que o paciente ia morrer pela dose tóxica da ivermectina”, frisou.
Para deixar mais fácil a compreensão o especialista comparou o remédio com uma outra substância que adentrou a rotina das pessoas na pandemia da Covid-19: o álcool 70%.
É um fato comprovado cientificamente, com experiências bem documentadas, que o álcool 70% é eficiente para eliminar vírus e bactérias. Mas nem por isso as pessoas devem consumi-lo. A indicação de uso é apenas para higiene das mãos, superfícies e objetos.
“A ivermectina mata coronavírus em laboratório, em teste feitos in vitro, assim como álcool a 70%, como todo mundo sabe e está altamente divulgado. Mata assim como mata bactéria. Mas serve para tratar Covid? Não. Se tomar não vai se intoxicar? Sim, e vai causar lesão hepática e neurológica”, exemplificou o professor.
VENDA SEM PRESCRIÇÃO
Por um período no ano passado, diante da alta procura durante a pandemia da Covid-19, a venda da ivermectina ficou controlada e só poderia ser feita com receita médica, que ficava retida nos estabelecimentos. Mas uma decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em setembro suspendeu a determinação.
Um levantamento de dados feito junto ao Conselho Federal de Farmácia (CFF) mostrou que a venda dos remédios do “kit Covid”, sem eficácia comprovada contra a doença, disparou em 2020. O antiparasitário ivermectina por exemplo cresceu em pelo menos quatro vezes. Os dados mostram que em 2019 foram vendidas 11.452.021 unidades, enquanto no ano passado esse número saltou para 53.818.621.