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Baiano cai em golpe ao tentar vender carro na internet e luta para não ser preso

O bacharel em Direito Lucas Ramos de Santana Lopes, 29 anos, só queria vender um carro através de uma plataforma na internet, mas agora responde a seis processos por estelionato, está com as contas bancárias bloqueadas, com 30% da renda comprometida com despesas judiciais e auxílio médico, e com medo de ser preso a qualquer momento. Na época em que comprar e vender pela internet deu um boom, especialistas alertam que os usuários precisam ter cuidado com essas transações.

A história começa em abril de 2019, quando Lucas publicou na OLX um anúncio para vender o carro do pai dele. A família mora em Conceição do Coité, no Nordeste do estado. Alguns dias depois um homem identificado como Moacir fez contato interessado na compra. Eles conversaram pelo WhatApp e o homem mandou uma foto da carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RO).

“Ele fez muitas perguntas sobre o carro, sobre a documentação, pareceu interessado e muito inseguro, como se quisesse ter certeza de que eu não era um bandido. Disse que um sócio dele em Salvador pegaria o carro. Depois que ele mandou a carteira dele da OAB, me senti mais seguro para mandar a minha também. Sou estagiário da Ordem, e no documento constam meus dados, nome completo, RG e CPF”, contou Lucas.

A carteira de Moacir também apresentava os mesmos dados, e eles estão corretos. Existe de fato um advogado que usa aquele registro, mas a pessoa que estava conversando com Lucas era um golpista. Com os dados do baiano nas mãos, ele criou falsos anúncios e começou a aplicar novos golpes. “Ele parou de responder minhas mensagens, até que mais ou menos um mês depois um advogado de Salvador entrou em contato comigo. A cliente dele tinha sido vítima de um golpe e os dados usados eram os meus”, disse.

No dia seguinte, 12 de junho de 2019, Lucas fez o primeiro boletim de ocorrência na delegacia da cidade. A partir desse momento o telefone do estudante não teria mais descanso. Houve um período em que ele recebeu, em média, uma ligação por dia de gente o chamando de golpista e o ameaçando de morte.

Processos

Em agosto do ano passado Lucas teve uma nova surpresa. Ele não conseguiu acessar os R$ 18 mil que tinha em uma conta bancária e ao procurar o gerente descobriu que o valor havia sido bloqueado por determinação judicial. Uma das vítimas do estelionatário acionou a Justiça, em São Paulo, apresentou os dados usados pelo golpista, que eram os de Lucas, e o juiz determinou o bloqueio das contas do réu.

Outro processo, no Rio de Janeiro, determinou o bloqueio de mais R$ 48 mil, mas ele não tem esse valor e teme que a decisão se estenda para outros bens. Ele é acusado de estelionato em mais dois processos em São Paulo, um no Paraná e outro em Minas Gerais. “Eu nem sequer fui comunicado, soube que minhas contas estavam bloqueadas pelo gerente, e assim como foi determinado o bloqueio pode ser determinada a minha prisão”.

As despesas com os processos estão consumindo 30% da renda do bacharel, e ele contou que intensificou as sessões com o psicólogo para lidar com tudo o que está acontecendo. Além de usar os dados de Lucas para fazer falsos anúncios, o bandido abriu contas telefônicas com o CPF dele.

“Uma das operadoras apresentou ao juiz um documento com 17 páginas com contas abertas no meu nome. Como isso é possível? O CPF de um morador da Bahia abrindo várias contas no Rio Grande do Sul e eles acham isso normal?”, questionou, enquanto luta para provar a inocência.

Citados

Em nota, a Polícia Civil disse que Lucas registrou quatro boletins de ocorrência comunicando que os dados dele estavam sendo utilizados por terceiros, desde 2019, e que a 15ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin/ Serrinha) iniciou as investigações. A polícia afirmou também que fez solicitações às operadoras telefônicas para contribuir com o inquérito, que o caso é apurado em conjunto com São Paulo, mas que ainda não tem suspeitos.

A OLX afirmou, em nota, que retirou um dos anúncios, bloqueou o golpista e está à disposição de autoridades para colaborar na investigação. “A plataforma esclarece ainda que disponibiliza um espaço democrático em que os usuários possam anunciar e comprar produtos e serviços de forma rápida e simples, sempre com respeito aos Termos e Condições de Uso, com negociação direta entre vendedor e comprador, sem a intermediação da plataforma. Caso o usuário perceba que nossas políticas estão sendo infringidas, contamos também com a sua denúncia para investigar anúncios irregulares e removê-los”, diz a nota.

Procurado, o WhatsApp respondeu que utiliza uma tecnologia chamada de criptografia de ponta-a-ponta para proteger a privacidade dos usuários e, por isso, não tem acesso ao conteúdo das mensagens trocadas entre usuários e não realiza mediação de conteúdo. Essa criptografia, resumidamente, é um recurso de segurança que protege os dados durante uma troca de mensagens, de forma a que o conteúdo só possa ser acessado por remetente e o destinatário da conversa em questão.

Em nota, o app afirmou encorajar que as pessoas denunciem condutas inapropriadas diretamente nas conversas, por meio da opção “denunciar” disponível no menu do aplicativo. Os usuários também podem enviar denúncias para o email [email protected], detalhando o ocorrido com o máximo de informações possível e anexando captura de tela. Quando ocorrem investigações, caso de Lucas, o WhatsApp alega fornecer os dados disponíveis em resposta às solicitações de autoridades públicas e em conformidade com a legislação local.

Cuidados

Especialistas contaram que o tipo de golpe que Lucas sofreu tem se tornado cada vez mais comum. A presidente da Comissão Permanente de Tecnologia e Informação da OAB-BA, Tamíride Monteiro Leite, é especialista em direito digital e contou que existem três passos que são fundamentais para construir uma boa defesa nesses casos.

“Primeiro, é preciso guardar as provas, portanto, não se deve apagar nada. Segundo, fazer um registro na polícia, porque eles podem rastrear o número de telefone usado no golpe. Terceiro, procurar um advogado especializado. Ele vai entrar com uma medida cautelar de antecipação de provas, vai solicitar o endereço de IP, a geolocalização e ajudar a polícia a chegar no autor. Ele pode solicitar também que os provedores retirem o nome do cliente das buscas, se esse for o caso”, afirmou.

A especialista explicou que o Marco Civil da Internet é vago quanto a responsabilidade dos sites e aplicativos usados nas transações, apesar de já existirem decisões condenando a atuação dessas empresas. A recomendação dela é de que as pessoas evitem usar os aplicativos para negociação e que jamais forneçam dados pessoais.

“Os provedores deveriam estar mais atentos aos metadados, ou seja, ao fato de, por exemplo, a mesma foto está sendo usada em diferentes anúncios, mas eles não fazem isso. O cliente deve dar preferência sempre ao e-mail porque tem geolocalização, então, é mais fácil de rastrear o usuário, e sempre desconfiar”, disse.

O diretor de Fiscalização do Procon, Iratan Vilasboas, contou que as plataformas têm responsabilidade solidária por anúncios falsos ou compras não entregues, mas que é importante que a negociação tenha acontecido dentro do site.

“A plataforma é responsável pela legitimidade dos anúncios que ela oferece, porque ela tem mecanismo para checar a veracidade das ofertas e a autenticidade dos anunciantes. Mas o consumidor precisa se proteger negociando dentro do site e observando a procedência do vendedor”, afirmou.

Fonte: Correio 24 horas