– Estou com medo de sair de casa e muito abalada, porque eu nunca tinha sofrido um ataque tão direto e com tanto ódio – afirma Thaynna, que registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil, no dia 10 de dezembro, após descobrir áudios agressivos, em que um homem lhe chama de “porra do traveco” e questiona a formação dos sargentos na ESA ao comentar uma foto da atleta entregando um quepe para o noivo, durante a formatura no início do mês. – Foi um ódio gratuito, só porque ele viu uma trans entregando um quepe para o noivo.
Pessoas trans já andam na rua olhando para os lados, para trás, com medo desde cedo. A gente percebe os olhares de longe. Agora estou receosa, tenho medo de ir à academia, do jeito que esse cara mandou o áudio não sei o que ele faria se me visse pessoalmente.
Atualmente com 450 mil seguidores no Instagram – 20 mil a mais do que antes de denunciar os ataques – Thaynna diz que vem recebendo bastante apoio de seu público. Inclusive, por meio de mensagens recebidas pela rede social, diz ter conseguido identificar o autor do áudio, que seria um sargento. Além do áudio, Thaynna registrou, na delegacia, que foram vazados nudes seus em grupos de whatsapp, acompanhados de prints e outros comentários transfóbicos. As ofensas se iniciaram em janeiro deste ano, mas ela preferiu aguardar a formatura do seu noivo antes de procurar a polícia, a fim de preservá-lo durante o curso na ESA. Após a cerimônia, os ataques se intensificaram.
– Meu noivo já chegou visado, porque sabiam que ele namorava uma trans. Imagina o que ele não passou dentro do Exército, mas preferiu nem me contar? Já escutei, pelo telefone, brincadeiras do tipo “tu gosta de traveco”. Meu noivo sabia que poderia acontecer isso, e eu dizia para termos muita cabeça. Na formatura, um dos sargentos disse que ele era o aluno que apresentou o melhor psicológico, por conseguir suportar tudo isso – explicou.
Durante a cerimônia e o baile de formatura, Thaynna disse que não sofreu problemas, com exceção de uma situação em que um rapaz a ficou encarando, no meio da festa, e fazendo comentários. Os olhares curiosos, diz, já eram esperados, até pelo seu tipo físico de fisiculturista. Por isso, fez questão de adotar a vestimenta sugerida, com um vestido longo e bem coberto, apesar de outras convidadas terem abusado dos decotes e peças curtas, o que ela acredita que não seria aceito caso fosse a sua escolha de roupa.
Mas o saldo do evento, até então, era positivo, pois a atleta explicou que seu noivo recebeu comentários de felicitações de outros colegas, incluindo de pessoas o parabenizando pela coragem e posicionamento.
– Devem ter percebido que eu era igual a qualquer outra. Quebramos preconceito de pessoas lá dentro. Muita gente do mundo militar não está concordando com o áudio, porque viram que somos um casal normal, não tem isso de ser diferente. Temos direito de entrar em qualquer lugar.
Em relação ao autor do áudio, Thaynna diz que gostaria de entender “por que ele fez isso, do nada” e cobra que a polícia identifique o rapaz. O caso foi registrado, na delegacia, como injúria, e ela diz que ainda não foi procurada e desconhece o andamento das investigações, mesmo após ter entregue prints da internet, áudios e fotos. Procurada, a Polícia Civil do Rio Grande do Norte não retornou o contato do GLOBO.
Enquanto isso, a atleta, que revela ter passado por tratamentos psicológicos contra ansiedade, no passado, diz que continuará a lutar contra o preconceito, a fim de que as gerações futuras não sofram como ela. Evangélica, filha de pastora – sem nunca ter sofrido problemas na igreja, conta – e fã de Roberta Close, Thaynna Dantas quer deixar um legado para além do fisiculturismo.
– Tudo o que estou fazendo hoje, batalhando, é para a geração futura. Porque o que está acontecendo comigo hoje pode servir de exemplo lá na frente.